domingo, 4 de dezembro de 2011

Paulo Medina e a quimera no direito penal - do blog do Nassif

Desembargador Paulo Medina e o princípio da insignificância
Enviado por luisnassif, dom, 04/12/2011 - 19:31
Por Ricardo .......

"Roubar pouco não é crime". Transferindo para o linguajar popular, é assim que poderia ser traduzida essa notícia que foi produzida pelo STJ.

Na verdade, esta matéria é parte de um apanhado de casos "bizarros". O termo escolhido não é o mais agradável em relação às partes que sofreram os fatos, ou aos advogados que buscam oxigenar nosso Direito com teses novas.

Aliás, todo nosso sistema de medidas cautelares (que permite, entre outras coisas, que o doente consiga o remédio na Justiça, antes de morrer no 5º ano de processo) se dá em razão de uma invenção "bizarra" do Vicente Ráo, utilizada por Ruy Barbosa. Não fossem essas bizarrices, o nosso sistema processual já tinha falido definitivamente, diante de tanta morosidade, e as partes estariam resolvendo conflitos na base do tacape (na Economia escolhe-se o bem mais útil, na Física o caminho mais curto; no Direito, o caminho que resolve o conflito com mais eficácia). Mas é caso de amenizar. Um jornalista procura o curioso no processo, para chamar a atenção do público. O foco é outro.


E sobre a notícia propriamente dita, é interessante notar que a maioria da população acha o Direito Penal recai sobre qualquer imoralidade. Muito pelo contrário. Aliás, a tendência científica é totalmente oposta. A notícia abaixo demonstra que, se tomar bens de pequeno valor de outra pessoa, o direito nem incide. Ou seja, nem furto é. Vira questão de igreja, de bronca do pai. Qualquer coisa, menos assunto para o tribunal. Tanto que não vira condenação. Aplica-se o "princípio da insignificância" para dizer que aquilo não importa ao Direito, que é pesado mecanismo de controle social.

O bizarro da notícia é que a principal citação é o Paulo Medina, ministro de tribunal superior afastado de suas funções pelo CNJ. Cujo processo está galopando desde 2007. Ele diz, com razão, que há muito separou-se o Direito da Moral. Na verdade, quem disse antes foi o Hans Kelsen, jurista alemão, lá nos idos de 1930. O ministro do STJ fica brigando com o desembargador do TJSP, mas a verdade é que não tem grande modernidade nessa história.

Contudo, não deixa de ser interessante. De um lado, a demonstração de que o conhecimento popular não corresponde ao que é o nosso Direito Penal atual. Se o povo pensa que é culpado, mesmo assim o tribunal não condena, porque o julgamento é científico. Ao pesado Direito não interessa o que é bagatela.

E por outro lado, o processo do ministro, que já está no seu quinto ano. E sendo ministro. Ou seja, de total interesse da Justiça Superior em ver um fim rápido para amenizar sua imagem manchada. Nesse caso, o fato pesado também fica fora do alcance do Direito, diante de tanta demora. Mas porque o processo (e o tribunal) é ineficaz.

Outro ponto interessante é esse conflito entre "tolerância zero" x "princípio da insignificância/direito penal mínimo". Quando falam que a divisão esquerda x direita não faz sentido, sempre penso que na Economia ou Política até pode ser que não. Mas nos outros ramos das ciências sociais, com certeza ainda faz bastante barulho.

Abaixo, o trecho da notícia. E o link para a íntegra. E também a Wikipédia, para rememorar o ministro citado pela matéria do STJ.



http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Medina

http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104056



"Dois anos por R$ 0,15

Em 2004, o STJ julgou pedido de habeas corpus (HC 23.904) contra condenação a dois anos de prisão imposta a ajudante de pedreiro que teria furtado uma fotocópia de cédula de identidade, uma moeda de R$ 0,10 e outra de R$ 0,05. A vítima tinha acabado de ser agredida por outros quando foi abordada pelo réu e um menor que o acompanhava.

Para o juiz, a sociedade clamava por “tolerância zero” e a jurisprudência rejeitava o conceito de crime de bagatela. O fato de terem os autores se aproveitado da vítima ferida, sem condições de resistir, indicaria alto grau de culpabilidade, por demonstrar “o mais baixo grau de sensibilidade e humanidade”.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao julgar a apelação, classificou o princípio da insignificância como “divertimento teorético, supostamente magnânimo e ‘moderno’”.

“Para certos esnobes, tudo o que não coincide com suas fantasias laxistas pertence à Idade da Pedra; eles, e mais ninguém, representam a modernidade, a amplitude de visão, a largueza de espírito, a nobreza de coração; eles definitivamente têm uma autoestima hipertrofiada”, acrescentou o voto, negando a apelação.

“Acha-se implantada uma nova ordem de valores, a moderna axiologia: comerás com moderação! Beberás com moderação e furtarás com moderação!”, continuou o desembargador paulista. “Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas”, afirmou.

“Essa arenga niilista do Direito Penal mínimo não raro conduz ao amoralismo máximo”, completou o desembargador Corrêa de Moraes. “Portanto, a regra de ouro dos que professam a ‘Teoria da Insignificância’ é: furtar tudo de todos quantos tenham pouco, perdendo de vista que coisa insignificante para o ladrão pode ser muito significante para a vítima”, concluiu.

Ao relatar o caso no STJ, o ministro Paulo Medina registrou estranheza com “a forma afrontosa dos fundamentos” do TJSP. “O respeito à divergência ideológica é o mínimo que se pode exigir dos operadores do Direito, pois, constituindo espécie das chamadas ciências sociais aplicadas – o que traduz sua natureza dialética –, emerge sua cientificidade, de que é corolário seu inquebrantável desenvolvimento e modernização, pena de ainda vigorar o Código de Hamurabi”, afirmou.

“Os fundamentos utilizados pelo Tribunal a quo refogem à epistemologia da ciência do Direito Penal, na medida em que retira seu substrato de proposições calcadas em valores morais apreendidos a partir de ensinamentos familiares do julgador, de duvidosa sabedoria”, acrescentou o ministro. “Ora, há muito separou-se o Direito da Moral”, completou.

O relator apontou que o furto protege especificamente o patrimônio da vítima, sem alcançar mesmo indiretamente sua pessoa, como no roubo. Por isso, para aferir a tipicidade material do fato, além da mera tipicidade formal, seria preciso avaliar em que medida o bem jurídico “patrimônio” da vítima foi afetado. “Ora, por óbvio, o furto de R$ 0,15 não gera considerável ofensa ao bem jurídico patrimônio. Conduta sem dúvida reprovável, imoral, mas distante da incidência do Direito Penal”, concluiu o ministro. A Turma concedeu o habeas corpus por unanimidade. "

(...)

"

http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=104056

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