Terça-feira, 4 de Novembro de 2008
Uma Explicação da África
A África é sempre um tema popular entre meus alunos, que com freqüência me pedem para indicar algum livro que possa servir como introdução ao estudo do continente. Tinha minhas obras de preferência, que recomendava segundo os assuntos favoritos dos estudantes – por exemplo, se queriam pesquisar sobre colonialismo ou conflitos étnicos. Com o lançamento de “A África Explicada aos meus Filhos”, de Alberto Costa e Silva, finalmente encontrei um livro que serve para todos os interessados.
Costa e Silva é um diplomata brasileiro aposentado que foi embaixador na Nigéria e serviu em diversas missões no continente. Certa vez o entrevistei numa Bienal e ele me narrou sua viagem através da África durante o auge da descolonização da região. Nos anos 1990 e 2000, Costa e Silva escreveu livros magistrais que o tornaram, sem qualquer exagero, um dos mais destacados especialistas mundiais sobre os temas africanos. Obras como “A Enxada e a Lança: a África antes dos portugueses”, os ensaios de “Um Rio Chamado Atlântico” e “Das Mãos do Oleiro”, suas memórias de juventude em “Invenção do Desenho” e a biografia do bem-sucedido traficante de escravos Francisco Félix de Souza, um baiano que se estabeleceu na África, pioneiro sombrio das transnacionais brasileiras.
O novo livro é parte de uma coleção da Editora Agir na qual profissionais renomados escrevem introduções aos temas dos quais são conhecedores. Entre os lançamentos, também me deram água na boca o de Bárbara Heliodora sobre teatro, e de Nei Lopes a respeito do racismo. São curtos, com cerca de 150 páginas, e narrados como conversas, com os autores respondendo às perguntas de um interlocutor imaginário.
Costa e Silva apresenta a África integrada às grandes correntes da história e da economia mundial, mostrando como desde a Antigüidade o continente se inseriu nas rotas comerciais dos negociantes muçulmanos, das caravanas que cruzavam o Saara. Mesmo antes de os portugueses contornarem o Cabo da Boa Esperança, no fim do século XV, os europeus já comerciavam em grande escala com os africanos, interessados principalmente no ouro que vinha dos impérios do Mali e de Gana.
Infelizmente, a descoberta e colonização das Américas acabou inserindo a África num perverso sistema de economia do Atlântico, e o resultado foi a escravização de mais de 10 milhões de seus cidadãos. Costa e Silva é um erudito das diversos sistemas escravistas que existiam na região e mostra como a integração no projeto dos impérios europeus revolucionou essas relações de dominação, despovoando áreas inteiras e eliminando diversos povos.
O caso mais impressionante é o do Reino do Congo, que chegou a negociar de igual para igual com o Portugal e ensaiou uma ambiciosa modernização, mas caiu numa armadilha mortal: para importar os produtos que os europeus ofereciam, seu único produto de exportação rentável eram escravos, o que transformou sua economia e sociedade em máquina de guerra e espoliação, inviabilizando a reforma.
Contudo, a tendência dos historiadores atuais têm sido a de ressaltar o quanto o colonialismo europeu na África foi, de fato, uma realidade bastante breve, de cerca de 50 ou 60 anos. Costa e Silva ressalta que até meados do século XIX, a presença européia estava limitada a poucas feitorias e fortalezas no litoral. O que mudou o quadro foram as pressões da revolução industrial por matérias-primas, as rivalidades imperialistas européias (acima, na visão bem-humorada de Eddie Lizzard) e as novas tecnologias militares, em especial rifles e metralhadoras.
Há pouco sobre a África pós-independência, o que é pena, porque valeria ler a versão impressa das palestras de Costa e Silva sobre os conflitos entre cidade e campo – basicamente, em como as elites urbanas africanas prejudicaram a economia impondo impostos altos ao setor agrícola, para tentar modernizar seus países (a tese clássica de Robert Bates). E como essas disputas se vinculam às rivalidades entre os grandes grupos étnicos.
Aliás, este sítio compartilha a alegria dos amigos da Casa de Luanda, que está entre os finalistas do prêmio da Deutsche Welle de melhor blog do mundo! É o único em língua portuguesa, distinção justíssima para o casal de jovens e brilhantes profissionais de desenvolvimento que tocam a Casa. Na torcida por eles!
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